quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

COMPANHIAS ESPIRITUAIS



Vinícius Lousada



No século em que o eminente Louis Pauster revelava a ação de microorganismos, invisíveis a olho nu, na produção da fermentação de certas substâncias ou na decomposição de organismos, Allan Kardec apontava as sondas do quefazer científico para outra realidade não percebida pelos sentidos ordinários.

Fez de fenômenos que eram mote de distração na alta sociedade parisiense e, ao mesmo tempo, promovidos pela onda do moderno espiritualismo nascido na América, um objeto científico, passível de ser observado por um controle metodológico exigente.

Arguto pesquisador, se lhe revela a chave de graves questões da humanidade: quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos? Suas conclusões partiram das narrativas dos habitantes do mundo invisível livres do corpo como pássaros que se destinam ao espaço abandonando suas gaiolas.

A primeira aprendizagem de Kardec como pesquisador foi a de que, sendo os Espíritos nada mais e nada menos que nós mesmos, apartados do corpo, cada qual apresentava saber e moral referente à sua condição evolutiva, não sendo, nenhum deles, dotado de saber universal.

Assim, jamais o Codificador colocou ingenuamente os Espíritos na condição de gurus absolutos, mas de co-participantes de sua pesquisa sobre as leis que regem a vida espiritual. Eles eram apenas informadores ou instrutores, cada qual com a sua parcial contribuição sempre disposta ao crivo da razão.

Em O Livro dos Espíritos, encontramos uma categorização dos Espíritos, segundo suas condições evolutivas, onde pesam o predomínio ou não da matéria e a sua propensão para o mal ou bem. Essas categoriais mais gerais são divididas em Espíritos Inferiores, Bons Espíritos e Espíritos Superiores.

Ainda, segundo o Codificador, em a Revista Espírita, vamos perceber que

Sendo a Terra um mundo inferior, isto é, pouco adiantado, resulta que a imensa maioria dos Espíritos que a povoam, tanto no estado errante, quanto encarnados, deve compor-se de Espíritos imperfeitos, que fazem mais mal que bem. Daí a predominância do mal na Terra. (1)

Mas é na constatação de nossas relações interexistenciais que está uma das grandes contribuições do Espiritismo em nossas vidas. Estamos mergulhados em diferentes níveis vibratórios e em constante interação com o mundo dos Espíritos do qual o corpo relativamente nos resguarda. Por nossas faculdades espirituais, como a da transmissão e captação do pensamento, somos protagonistas da realidade espiritual.

Possuímos companhias desencarnadas que são definidas pela sintonia que estabelecemos, radicada em nossa natureza moral. Aliás, esse consiste num oportuno saber lecionado pelos Guias da Humanidade a fim de que não nos façamos, por ignorância, marionetes de outras inteligências já domiciliadas no mundo dos Espíritos, capazes de influir negativamente sobre as nossas escolhas.

Dentre as companhias espirituais de um indivíduo estão os Espíritos Familiares, simpáticos cujos laços de afeto os interligam formando uma mesma família espiritual, os Espíritos afins aos propósitos e ocupações do encarnado (para sua felicidade ou não) e, por fim, o seu Espírito Protetor, o amorável Anjo da Guarda pertencente a uma ordem elevada (2) e responsável por tutelar o sujeito numa constante e crescente inserção no campo do bem, em prol de sua evolução consciente. Em alguns casos, o Anjo de Guarda além de acompanhar o seu tutelado na erraticidade pode guiá-lo em outras vidas.

Ninguém na Terra há que não possa contar desde o nascimento com a assistência de seu Benfeitor Espiritual cujo compromisso é a educação mesmo de seu protegido. Os Espíritos Luminares resumem a missão do Anjo de Guarda como sendo a de “um pai com relação aos filhos; a de guiar o seu protegido pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas provas da vida.” (3)

Contudo, não podemos desconsiderar que o Anjo da Guarda pode estender a sua ação fraterna sobre outras almas não se restringindo apenas a um único tutelado; como também, pela hierarquia espiritual em que se encontra, dedicar-se a variadas tarefas enobrecidas conforme suas características pessoais forjadas na historicidade de suas vivências.

Cônscios disso tudo, procuremos estabelecer pelas boas obras a sintonia com o nosso Amigo Espiritual, a fim de que, dignos de sua presença e receptivos aos seus nobres conselhos, sigamos felizes em nossos afazeres nesta vida.

Estudando Kardec:



“Aos que considerem impossível que Espíritos verdadeiramente elevados se consagrem a tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que nós vos influenciamos as almas, estando embora muitos milhões de léguas distantes de vós. O espaço, para nós, nada é, e, não obstante viverem noutro mundo, os nossos Espíritos conservam suas ligações com os vossos. Gozamos de qualidades que não podeis compreender, mas ficai certos de que Deus não nos impôs tarefa superior às nossas forças e de que não vos deixou sós na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada anjo de guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre, quando ele lhe despreza os conselhos.” (4)

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(1) Revista Espírita, dezembro de 1862 - Estudos sobre os possessos de Morzine causas da obsessão e meios de combatê-la.


(2) O Livro dos Espíritos, questão 490.

(3) O Livro dos Espíritos, questão 491.

(4) O Livro dos Espíritos, questão, 495.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Regra Universal


Jesus, o Mestre de todos nós, esteve conosco há mais de dois mil anos apresentando uma doutrina radicalmente fundamentada no amor incondicional ao próximo. Em suas atitudes, tão eloqüentes quanto as suas palavras, o meigo Rabi elevou aos olhos daquela sociedade sectária a condição dos pobres, dos oprimidos, dos estigmatizados culturalmente, da mulher, do diferente, enfim.

Tanto que colocou como símbolo da máxima compaixão a figura do samaritano que, ao contrário dos sacerdotes do templo, conforme a parábola, ao invés de se omitir ante o sofrimento do viajante, deixou-se tocar pelo sofrimento alheio, sensibilizando-se e trabalhando por lhe restituir o equilíbrio, fazendo o seu melhor pelo próximo.

Pedagogo insuperável trazia em sua prática educativa junto ao povo simples estórias oriundas do cotidiano, comparações que encerravam ensinamentos profundos somente compreensíveis àquelas almas dispostas a aprender como uma criança curiosa e aberta à boa notícia de alegria.


Os que têm ouvidos de ouvir e olhos de ver, em todas as épocas da História da humanidade, seguem seus passos amando e servindo, trabalhando e crescendo no bem, inspirados em seus exemplos de sabedoria e caridade.

Cristo ampliou a compreensão da família. Quando buscado pelos seus – achavam que Ele estava fora do juízo –, afirmou serem de sua família aqueles que faziam a vontade do Pai, permitindo-nos inferir que Ele concebia todos os homens e as mulheres como seus irmãos e irmãs; pois nada e ninguém na Terra escapa ao influxo da Vontade Divina que se manifesta em tudo e todos mediante suas leis.

O Nazareno foi, em sua encarnação, a presença constante do amor na vida daqueles que com Ele conviveram, fizeram contato ou ouviram, tocando a todos nas fibras íntimas da alma por causa de sua amorosidade infinita.

Foi o Mestre que nos legou uma máxima que deveria ser reconsiderada e meditada por todo aquele que se identifica com o ideal de uma vida nobre e de um mundo melhor: fazer aos outros o que queremos que estes nos façam.

Essa máxima não é apenas um aforismo que pode nos emocionar, parece-me mesmo uma necessidade ética a sua observação, sobretudo se considerarmos os danos que estão sendo produzidos pelos seres humanos na vida uns dos outros e da Natureza em função da falta de contenção.

A ausência da prática da contenção tem demarcado a ocorrência de atitudes as mais violentas. E, por causa isso, estamos dando vazão excessiva à nossa sombra interior, ou seja, aos pensamentos e condicionamentos inferiores que nos vinculam à fera que fomos no passado distante.

A máxima lecionada por Jesus é o princípio supremo da ética cristã que, por sua vez, é igualmente apontada pela Doutrina Espírita como fundamental à felicidade da criatura, convocando todos que se acercam dos seus saberes à sua vivência cotidiana.

Pensar em fazer ao outro o que eu gostaria que o outro me fizesse consiste num exercício reflexivo que pode reorientar saudavelmente o meu agir perante o outro.

Ao me perguntar sobre isso, sou levado automaticamente a considerar a felicidade do outro como um projeto paralelo e tão válido como o meu projeto pessoal de felicidade.


Dessa forma, passo a ter por critério ético de minhas atitudes as conseqüências do meu agir na felicidade alheia. Esse critério conduz-me à necessidade da contenção, para não perturbar a vida do próximo, e à dúvida quanto a validade das minhas próprias intenções.

Tudo isso provoca o hábito da análise ética do meu modo de estar no mundo e que me revela algo muito simples: somente quando a minha motivação é o bem, meus atos poderão ser bons e as suas conseqüências também.

Aliás, parece que todo o indivíduo com perfeita saúde mental deseja o bem a si próprio, não acha? Então, ao reorientar meu jeito de agir pelo modo como desejaria que outrem agisse para comigo, naturalmente vou focar a minha atenção no bem o qual gostaria que fosse-me endereçado.

Ao concentrar a mente no bem estou cultivando virtude, materializando-a nas ações concretizadas ao longo do tempo e na felicidade que provoco na jornada existencial do outro.

Como somos o que pensamos, mergulhar a mente no bem, juntamente com atitudes concernentes, torna-nos, pouco a pouco, melhores, mais éticos e felizes.

Querer bem aos outros conecta-nos ao amor que transpira no universo, cria uma disposição interna que se manifesta em nossa psicosfera. Passamos a sintonizar com o bem e atraímos a presença dos que vibram nesse sentido.

Pensando no bem, fazemos escolhas eticamente mais corretas e construímos possibilidades cada vez maiores de felicidade e paz nas circunstâncias que se desdobram em nossa vida terrestre.

A observação da regra universal postulada por Jesus de Nazaré é o segredo da plenitude íntima, da felicidade nos inter-relacionamentos e provável fator desencadeador de acontecimentos enriquecedores para o Espírito imortal.


PARA PENSAR:

“A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem e não o mal. Neste princípio encontra o homem uma regra universal de conduta, mesmo para as suas menores ações.”.[2]

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[1] Pedagogo, colaborador da União Espírita Bageense. E-mail:vlousada@hotmail.com.

[2]O Livro dos Espíritos, introdução, item VI.

domingo, 21 de novembro de 2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Campos de ação da mente alerta



“É a consciência de si mesmo que constitui o principal atributo do Espírito.” (1)


O monge zen-budista e pacifista Thich Nhat Hanh(2) recorda, num de seus livros, um diálogo de Buda com um interlocutor que lhe indagou sobre o que ele e seus discípulos faziam, talvez esperando saber se realizavam algo fora do normal.

Buda teria respondido o seguinte: “Nós nos sentamos, nós andamos, nós comemos.” Ao que o inquiridor redargüiu em seguida, um tanto desapontado: “Mas senhor, qualquer um senta, anda e come.”

E o ex-príncipe Sidartta fecha o diálogo com um ensinamento: “Quando sentamos, sabemos que estamos sentados. Quando andamos, sabemos que estamos andando. Quando comemos, sabemos que estamos comendo.”

Essa passagem demonstra o significado da mente alerta, ou seja, trata-se de um estado de espírito em que temos consciência plena do que estamos fazendo no momento atual.

Em função das correrias da vida moderna, muitas das nossas atividades rotineiras são realizadas por automatismos, estamos tão ocupados em ganhar dinheiro que é de se perguntar se estamos realmente vivendo.

Acordamos pela manhã, fazemos a higiene, vestimo-nos, alimentamo-nos e saímos. Muitas vezes sequer sentimos o prazer de despreguiçar, a água do banho correr por nosso corpo, o cheirinho da roupa limpa que vestimos ou o sabor do que comemos no café da manhã. Daí muita gente nem lembrar do que comeu ou vestiu ontem. Agimos como autômatos.

E nas relações pessoais? Não raramente falamos alguns monossílabos, estamos sempre com pressa, mas não sentimos a presença do outro ao nosso lado. Desatentos, ouvimos sua fala sem absorver o significado, sentimentos expressos, o estado de espírito de quem nos dirige a palavra.

Nos percursos de automóvel, ou a pé mesmo, tememos assaltos, atrasos ou imprevistos e, por isso, poucas vezes, observamos os painéis humanos e naturais à nossa volta. O vento a acariciar nosso cabelo, o calor vivificante ou o friozinho que nos pede certa quietude.

Produzimos, geramos bens, recursos e consumimos sem “saborearmos” a vida e as suas bênçãos. Vemo-nos como uma peça desplugada do universo, da Natureza e das pessoas. Esquecemos de viver e compartilhar a vida com os que nos cercam através de diálogos e vivências criativas e enriquecedoras.

Praticar a mente alerta consiste numa atitude de acordar a alma para o aqui e o agora tendo sempre em pauta o momento atual como o mais maravilhoso e a presença do outro como uma jóia divina. É viver sabendo que se está vivo.

Focada num objeto de análise - sem julgamento, culpa ou discriminação - a mente alerta permite ao indivíduo perceber atentamente o estado geral da sua mente e do seu coração, ou seja, que formações mentais habitam seus pensamentos, quais sentimentos vêm sendo nutridos diariamente ou emoções às quais está habituando.

Da mesma forma, a prática da mente alerta dá ensejo à identificação dos conteúdos que formam a natureza moral do sujeito, muitas vezes materializados em atitudes, além de escutar os fenômenos que o corpo experimenta neste exato instante.

Ao observar a natureza das idéias que fazem a sua cabeça, aquele que pratica a mente alerta é capaz de discernir a respeito de quais vale a pena cultivar, tendo em vista a sua essência espiritual e o seu propósito, afastando do “jardim” da mente o que for de conteúdo negativo.

Quando são rastreados sentimentos venenosos como a raiva, o ciúme, a inveja ou apego, o Espírito deve reconhecê-los, não se dando ao luxo de enganar-se, procurando estabelecer caminhos possíveis de sua superação para, através dos recursos ao seu alcance, vivenciar sentimentos saudáveis curando-se aos poucos das imperfeições.

Olhando vigilante as emoções que se manifestam n'alma, o ser é capaz de gerenciá-las sem se deixar dominar por emoções destrutivas, procurando orientar as energias para a criação de um estado mental de serenidade e contentamento.

Na hora em que a mente alerta cuida do corpo, a racionalidade escapa à oposição mente-corpo para entender essa relação de maneira complementar, não dicotômica. A saúde do corpo depende da saúde do Espírito e as agressões ao corpo marcam, variando ao infinito, a mente em sua complexidade.

O corpo é um templo sagrado portador de elementos cuja identidade se mistura com a do cosmos. Emprestado pelo Grande Arquiteto do Universo, merece nosso cuidado e preservação equilibrada. A mente alerta não quer descaso nem culto ao corpo, somente pede cuidado com ele como com a alma.

O cultivo da mente alerta leva ao despertar da consciência do Espírito que passa a reconhecer o estágio impermanente das coisas e a sua própria transcendência em relação ao ciclo nascimento-morte.

Plenamente atento ao que se passa no planeta interno, o Espírito pode fazer escolhas mais acertadas, condizentes com o desejo de fazer o bem a todos os seres.

A mente atenta o conduz à reverência à vida em todas as suas formas de manifestação, afastando o sujeito do ímpeto de destruição que tem demarcado a conduta de uma coletividade regida pelo utilitarismo, o qual vê o ambiente natural como uma arca de tesouros infindáveis consumindo-a irresponsavelmente.

Ao conscientizá-lo das dores do mundo, causadas pela violência, o estado de mente alerta convida o indivíduo à promoção da paz interior como forma possível de engajamento num movimento em prol da paz no Planeta.

Diante da presença do outro, aquele que se esforça em alertar a sua mente, abre-se ao diálogo que lhe ensina uma escuta compassiva e profunda que deverá ser sempre seguida de uma fala verdadeiramente amorosa.

Da manifestação do amor, que a mente alerta suscita, nasce a responsabilidade afetiva que não usa o outro ao seu bel prazer, mas zela pela sua felicidade.

Esse amor se desdobra no amor a si, aos demais seres da vida, à Terra-mãe e leva o Espírito, hospedado temporariamente nessas paragens, a consumir com discernimento e a viver com simplicidade, libertando-o das ilusões do consumismo que inventa necessidades artificiais.

Viver com a mente alerta consiste, enfim, no exercício de estar consciente em cada momento. Atento ao estado geral da mente e do coração como sujeito das circunstâncias e emoções, jamais como mero objeto.

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[1] O Livro dos Espíritos, questão 600
 
[2]NHAT HANH, Thich. Meditação andando: guia para a paz interior. Vozes: Petrópolis, RJ, 2005, p. 10..

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

sábado, 16 de outubro de 2010

Pluralismo religioso - Vinícius Lousada


Vivemos um momento singular na história de nossa civilização porque, do ponto de vista sociológico, nunca se afirmou e celebrou tanto a diversidade social como em nossos dias.

Apesar da teimosa existência, no Ocidente e no Oriente, de algumas religiões fundamentalistas com adeptos cooptados por uma fé cega, fechados em suas doutrinas e intolerantes com outras práticas espirituais, cresce o contingente de indivíduos que não admitem a sua verdade particular como expressão única e absoluta de uma verdade maior, que reverenciam o livre pensamento.

Graças às contribuições mais recentes de alguns estudiosos no campo da sociologia e da educação, como Stwart Hall, Alberto Melucci e Carlos Brandão, para citar apenas alguns, apreende-se os sujeitos como atores sociais que possuem uma identidade multifacetada não homogênea que, por sua vez, revela um eu “múltiplo”, não-encarcerado numa única agência de pertencimento.

Na atualidade, o religioso busca estudos científicos, o cientista empreende uma aventura rumo à transcendência. Somos cidadãos planetários, ativistas de variadas causas. Noutra hora somos “simples” pais e mães, filhos, executivos ou desportistas, artistas, profissionais, etc.

A identidade do indivíduo é uma celebração móvel, configurada através das ações e relações nos múltiplos grupos de pertencimento nos quais está inserido e que dão significados sociais variados à sua existência.

Surge, então, uma categoria sociológica que ressalta um elemento há muito apreendido com o Espiritismo: a sociodiversidade. Ela denota a diversidade social como um mosaico que se apresenta numa rede de interexistência de indivíduos portadores de uma gama, variada ao infinito, de aprendizados no campo do sentimento e do intelecto, tendo por causa a diversidade de experiências que a roda das reencarnações sucessivas vem lhes ensejando.

Desse modo, perde qualquer sentido a negação da pluralidade religiosa. Mais do que nunca fica evidente o fato de que necessitamos de variados caminhos espirituais para a vivência da transcendência, tendo em vista a conquista pessoal da iluminação interior.

Nesse contexto, parece-me que o papel primordial das religiões deva ser o de conduzir o ser humano a um encontro com a espiritualidade, com a prática diária dos valores éticos fundamentais e libertadores do sofrimento.

Toda prática religiosa ou espiritual deveria ser um empenho consciente em prol da nossa cura em relação à enfermidade conhecida por egoísmo. Aliás, a religião cumpre a sua verdadeira função quando o sujeito aproveita os preceitos que professa para a aquisição de sua própria saúde moral.

Considerando-se que o fundamento básico de toda a religião é o amor, lembremo-nos de que o amor ao próximo preconiza o respeito profundo ao seu estilo de vida e, por conseguinte, à sua orientação no campo do espiritual.

No momento em que admitimos ser cada religião a melhor para cada um de seus adeptos, segundo suas escolhas, não devemos aceitar a intolerância nesse tema porque ser intolerante com as crenças alheias “é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade de pensamento.”[1]

Aliás, o uso de uma racionalidade sadiamente compreensiva em relação à complexidade social leva-nos a reconhecer que, num planeta como o nosso em que somos uma infinidade de Espíritos reencarnados, portadores de diversas trajetórias evolutivas e inseridos nas mais diferentes culturas, a visão reducionista de que apenas uma religião satisfaça a todos é, no mínimo, uma ilusão em torno da relação histórica do ser humano com o sagrado.

O Espiritismo não defende nenhum projeto de caminho único para “salvação” e nem deseja que alguém abandone a sua crença para segui-lo, muito pelo contrário, deixa a cada um o direito de crer como bem entenda, até porque a Doutrina Espírita não é uma questão de adesão, mas de convicção pessoal.

Além do mais, o estudo de sua filosofia permite compreender que a raiz da pluralidade religiosa está na pluralidade de vivências e opções que coube ao Espírito imortal fazer em prol de sua própria felicidade, sendo simples ao espiritista valorizar todas as religiões que proponham o bem como o alvo da experiência espiritual.

Não sonhamos com um mundo onde todas as pessoas sejam espíritas, mas projetamos, pela busca da conduta ética positiva, a realização da utopia de uma sociedade planetária cada vez mais espiritualizada, cuja relação dialógica entre as diferentes alternativas lúcidas de fé colabore com a efetivação da paz entre as criaturas.



ESTUDANDO KARDEC:



“Considerando-se que todas as doutrinas têm a pretensão de ser a única expressão da verdade, por que sinais podemos reconhecer a que tem o direito de se apresentar como tal?



“Será aquela que fizer mais homens de bem e menos hipócritas, isto é, homens que pratiquem a lei de amor e de caridade na sua maior pureza e na sua mais ampla aplicação. Por esse sinal reconhecereis que uma doutrina é boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer linha de separação entre os filhos de Deus só pode ser falsa e perniciosa.”[2]

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[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004, p. 472.

[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004, p. 473.
 
Artigo publicado no Folha do Sul de 12/10/2010.

domingo, 10 de outubro de 2010

Resquícios da Idade Média - AUTO-DE-FÉ DAS OBRAS ESPÍRITAS EM BARCELONA

"Nada informamos aos leitores sobre esse fato, que já não o saibam através da imprensa. O que é de admirar é que certos jornais, que geralmente passam por bem informados, o tenham posto em dúvida. A dúvida não nos surpreende, mas o fato em si mesmo parece tão estranho ao tempo em que vivemos, está de tal modo longe de nossos costumes que, por maior cegueira reconheçamos no fanatismo, pensamos sonhar ao ouvir dizer que as fogueiras da Inquisição ainda se acendem em 1861, às portas da França. Nestas circunstâncias a dúvida é uma homenagem prestada à civilização européia e ao próprio clero católico. Hoje, em presença de uma realidade incontestável, o que mais deve surpreender é que um jornal sério, que diariamente cai sem dó nem piedade sobre os abusos e usurpações do poder sacerdotal, não tenha encontrado, para registrar esse fato, senão algumas palavras zombeteiras, acrescentando: “Em todo o caso, não seríamos nós que nos divertiríamos neste momento em fazer girar as mesas na Espanha.” (Siècle de 14 de outubro de 1861). Então o Siècle ainda vê o Espiritismo nas mesas girantes? Estará tão enceguecido pelo cepticismo para ignorar que toda uma doutrina filosófica, eminentemente progressiva, saiu dessas mesas, das quais tanto zombaram? Não sabe que esta idéia fermenta em toda parte? Que nas grandes cidades, como nas pequenas localidades, de alto a baixo da escala social, tanto na França quanto no estrangeiro, esta idéia se espalha com inaudita rapidez? Que por toda parte agita as massas, que nela saúdam a aurora de uma renovação social? O golpe com que imaginaram feri-lo não é um indício de sua importância?

Porque ninguém se atira assim contra uma infantilidade sem conseqüência, e Dom Quixote não voltou à Espanha para se debater contra moinhos de vento.

O que não é menos exorbitante, o que causa admiração por não se ver nenhum protesto enérgico, é a estranha pretensão que se arroga o bispo de Barcelona, de policiar a França. Ao se pedir a reexportação das obras, ele respondeu com uma recusa assim justificada: A Igreja católica é universal; e sendo estes livros contrários à fé católica, o governo não pode consentir que venham perverter a moral e a religião de outros países. Eis, assim, um bispo estrangeiro que se institui juiz do que convém ou não convém à França! Então a sentença foi mantida e executada, sem mesmo isentar o destinatário das taxas alfandegárias, cujo pagamento lhe foi exigido.

Eis o relato que nos foi dirigido pessoalmente:

“Hoje, nove de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez horas e meia da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, lugar onde são executados os criminosos condenados ao último suplício, e por ordem do bispo desta cidade, foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:
“A Revista Espírita, diretor Allan Kardec;

“A Revista Espiritualista, diretor Piérard;

“O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec;

“O Livro dos Médiuns, pelo mesmo;

“O que é o Espiritismo, pelo mesmo;

“Fragmentos de sonata ditada pelo Espírito Mozart;

“Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Dr. Grand;

“A História de Joana d’Arc, ditada por ela mesma à Srta. Ermance Dufau51;

“A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo Barão de Guldenstubbé.

“Assistiram ao auto-de-fé: “Um sacerdote com os hábitos sacerdotais, empunhando a cruz numa mão e uma tocha na outra;

“Um escrivão encarregado de redigir a ata do auto-de-fé;

“Um ajudante do escrivão;

“Um empregado superior da administração das alfândegas;

“Três serventes da alfândega, encarregados de alimentar o fogo;

“Um agente da alfândega representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo.

“Uma multidão incalculável enchia as calçadas e cobria a imensa esplanada onde se erguia a fogueira.

“Quando o fogo consumiu os trezentos volumes ou brochuras espíritas, o sacerdote e seus ajudantes se retiraram,  cobertos pelas vaias e maldições de numerosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição!

“Em seguida, várias pessoas se aproximaram da fogueira e recolheram as suas cinzas.”

Uma parte das cinzas nos foi enviada. Ali se encontra um fragmento de O Livro dos Espíritos, consumido pela metade. Nós os conservamos preciosamente, como autêntico testemunho desse ato de insensatez.

À parte qualquer opinião, este caso levanta grave questão de direito internacional. Reconhecemos ao governo espanhol o direito de interditar, em seu território, a entrada de obras que não lhe convenham, como a de todas as mercadorias proibidas. Se as obras tivessem sido introduzidas clandestina e fraudulentamente, nada haveria a objetar; mas foram expedidas ostensivamente e apresentadas à alfândega; havia, pois, uma permissão legalmente solicitada. A alfândega julga dever reportar-se à autoridade episcopal que, sem qualquer formalidade processual, condena as obras a serem queimadas pelas mãos do carrasco. Então o destinatário pede que sejam reexportadas para o lugar de sua procedência e, por fim, lhe é respondido que não as receberá, conforme relatado acima.

Perguntamos se em tais circunstâncias a destruição dessa propriedade não é um ato arbitrário e contra o direito comum.

Examinando o caso do ponto de vista de suas conseqüências, diremos, inicialmente, não haver dúvida de que nada poderia ter sido mais benéfico ao Espiritismo. A perseguição sempre foi proveitosa à idéia que quiseram proscrever: exalta a sua importância, chama a sua atenção e a torna conhecida por quantos
a ignoravam. Graças a esse zelo imprudente, todo o mundo na Espanha vai ouvir falar do Espiritismo e quererá saber o que é ele; é tudo quanto desejamos. Podem queimar-se livros, mas não se queimam idéias; as chamas das fogueiras as superexicitam, em vez de abafar. Aliás, as idéias estão no ar, e não há Pireneus bastante altos para as deter. Quando uma idéia é grande e generosa encontra milhares de pulmões prestes a aspirá-la. Façam o que quiserem, o Espiritismo já tem numerosas e profundas raízes na Espanha; as cinzas da fogueira vão fazê-la frutificar. Mas não é somente na Espanha que se produzirá tal resultado: o mundo inteiro sentirá o contragolpe. Vários jornais da Espanha estigmatizaram esse ato retrógrado, como bem o merece. Entre outros, Las Novedades de Madrid, de 19 de outubro, contém notável artigo a respeito. Será reproduzido em nosso próximo número.

Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!

Entre as numerosas comunicações que os Espíritos ditaram a respeito, citaremos apenas as duas seguintes, dadas espontaneamente na Sociedade de Paris. Elas resumem as causas e todas as suas conseqüências.

SOBRE O AUTO-DE-FÉ DE BARCELONA

“O amor da verdade deve sempre fazer-se ouvir: ela rompe o véu e brilha ao mesmo tempo por toda parte. O Espiritismo tornou-se conhecido de todos; logo será julgado e posto em prática. Quanto mais perseguições houver, tanto mais depressa esta sublime doutrina alcançará o apogeu. Seus mais cruéis inimigos, os inimigos do Cristo e do progresso, atuam de maneira que ninguém possa ignorar a permissão de Deus, dada àqueles que deixaram esta Terra de exílio, de voltarem aos que amaram.

“Ficai certos: as fogueiras apagar-se-ão por si mesmas; e se os livros são lançados ao fogo, o pensamento imortal lhes sobrevive.”

Dollet

Nota – Este Espírito, tendo se manifestado espontaneamente, disse ser o de um antigo livreiro do século

dezesseis.


OUTRA

“Era necessário que algo ferisse violentamente certos Espíritos encarnados, a fim de que se decidissem a ocupar-se desta grande doutrina que vai regenerar o mundo. Nada é feito inutilmente em vossa Terra. Nós, que inspiramos o auto-de-fé de Barcelona, sabíamos perfeitamente que assim agindo daríamos um grande passo à frente. Esse fato brutal, inacreditável nos tempos atuais, foi consumado com vistas a chamar a atenção dos jornalistas que se mantinham indiferentes diante da profunda agitação que tomava conta das cidades e dos centros espíritas. Eles deixavam dizer e fazer, mas, obstinados, faziam ouvidos de mercador, respondendo pelo mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. Queiram ou não, é preciso que hoje falem; uns, constatando o histórico do caso de Barcelona, outros o desmentindo, ensejaram uma polêmica que fará a volta ao mundo e da qual só o Espiritismo aproveitará. Eis por que hoje a retaguarda da Inquisição praticou o seu último auto-de-fé, porque assim o quisemos.”

São Domingos

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Em torno de Obras Póstumas - Vinícius Lousada

A princípio


Em 1869 desencarna Allan Kardec, o insigne Codificador do Espiritismo, deixando-nos como legado as obras fundamentais do Espiritismo e seu exemplo de pesquisador notável, verdadeiro espírita e, por conseqüência, homem de bem, como preconizam as excelentes páginas de O Evangelho segundo o Espiritismo.

Dentre os seus discípulos mais fiéis (1) estava um homem de nome Pierre-Gaëtan Leymarie, idealista republicano e espírita convicto, fora membro de uma sociedade anônima planejada por Kardec, antes de desencarnar, em prol da difusão das obras espíritas, tornando-se, igualmente, diretor da Revista Espírita de 1870 a 1901, e administrador da Livraria Espírita, de 1870 a 1897(2).

Em 1890, Leymarie vai fazer a publicação de Oeuvres Posthumes d'Allan Kardec em Paris, através da Livraria Espírita. Essa obra trata-se de uma compilação elaborada pelo mesmo contemplando um conjunto de textos inéditos deixados por Allan Kardec.

Vale, porém, lembrar que boa parte destes textos, senão todos, antes de enfeixarem um livro, passaram a ser publicados na Revista Espírita, a partir do número de junho de 1869, como podemos observar na matéria intitulada Aos assinantes da Revista Espírita(3) quando, então, há referência à desencarnação de Allan Kardec e ao compromisso de seus colaboradores de procurarem prosseguir na via descrita pelo mestre lionês, considerando a nova fase que o Espiritismo já adentrava e a preocupação do Codificador de acercar-se de indivíduos com os quais pudesse partilhar parte de seus trabalhos, pelo bem da Causa Espírita.

Procurando cumprir o dever acima assinalado os confrades franceses começaram a publicar mensalmente os documentos encontrados no gabinete de Kardec e, tanto quanto possível, instruções do missionário da Era Nova ditadas do além, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. E, assim, brindaram o movimento espírita, daquela época, como o nosso e dos dias vindouros, com reflexões kardequianas e aspectos históricos do Espiritismo sempre oportunos a todos nós.



Seu conteúdo: um convite à leitura

Obras Póstumas é divida em duas partes. Na primeira delas temos textos de caráter doutrinário de Allan Kardec e, na segunda parte, um conjunto de anotações referentes a fatos e previsões concernentes ao Espiritismo.

Desse modo, na parte primeira encontramos um texto biográfico sobre a trajetória do Codificador, provavelmente escrito por Leymarie (também presente na Revista Espírita de maio de 1869), o discurso de Flammarion sobre o túmulo de Kardec, a profissão de fé espírita raciocinada, estudos sobre as manifestações dos Espíritos, dos potenciais mediúnicos e a questão da obsessão.

Discussões sobre problemas teológicos como a natureza do Cristo são alvo da análise acurada do mestre, tanto quanto, a fotografia e a telegrafia do pensamento, onde desenvolvidas meditações sobre, respectivamente, a ideoplastia – mais tarde estudada pelo eminente cientista Ernesto Bozzano – e a telepatia espiritual – um dos objetos de pesquisa da Metapsíquica de Richet.

Não podemos ignorar que, ainda, nesse primeiro conjunto de textos de Obras Póstumas, recolhemos excelentes reflexões filosóficas de Kardec como as intituladas como O Caminho da Vida, As Cinco Alternativas da Humanidade ou As Aristocracias.

A segunda parte da obra registra a história do Espiritismo numa perspectiva interexistencial, onde deparamo-nos com previsões dos Espíritos sobre a missão de Allan Kardec, a produção de suas obras e repercussão no pensamento da coletividade, o período de luta e a contribuição do Espiritismo para regeneração da humanidade vivente no orbe terreno.

Vemos, adiante, o Projeto – 1868 onde encontramos as bases metodológicas do processo de unificação do movimento espírita, no olhar kardequiano, para a expansão do Espiritismo de forma segura e calcada nos pilares da união dos espíritas, do ensino da Doutrina Espírita, da sua difusão pelos impressos e em viagens de propaganda doutrinária. Aliás, leitura imperdível às lideranças espíritas.

Ao final do livro está o texto Credo Espírita, seguido de Os princípios fundamentais da Doutrina Espírita reconhecidos como verdades adquiridas, sendo esse último assinado por Leymarie.

Essa brevíssima resenha tem por objetivo convidar à leitura e ao estudo do livro em pauta para que, conhecendo Kardec, através de seus textos em nosso cotidiano, possamos vivê-lo com inteligibilidade que a fé raciocinada preconizada pelo Espiritismo nos pede.



Estudando Kardec

“ Tirando-me da obscuridade, o Espiritismo me lançou num novo rumo; em pouco tempo, vi-me arrastado por um movimento que me achava longe de prever. Quando concebi a idéia de O Livro dos Espíritos, era minha intenção não me pôr de modo algum em evidência e permanecer desconhecido;mas, para logo ultrapassados os limites que eu imaginara, isso não me foi possível; tive de renunciar ao meu gosto pelo insulamento, sob pena de abdicar da obra empreendida e que crescia de dia para dia; foi-me preciso ceder à impulsão e tomar-lhe as rédeas. À proporção que ela se desenvolvia, mais vasto horizonte se desdobrava diante de mim e lhe distanciava os lindes. Compreendi então a imensidade da minha tarefa e a importância do trabalho que me restava fazer para completá-la. As dificuldades e os obstáculos, longe de me atemorizarem, redobraram as minhas energias. Divisei o fim objetivado e resolvi atingi-lo, com a assistência dos bons Espíritos. Sentia que não tinha tempo a perder e não perdi, nem em visitas inúteis, nem em cerimônias estéreis. Foi a obra de minha vida. Dei-lhe todo o meu tempo, sacrifiquei-lhe o meu repouso, a minha saúde, porque diante de mim o futuro estava escrito em letras irrecusáveis. (4)

_________________________________
 
(1) AUBRÉE, Marion & LAPLANTINE, François. A mesa, o livro e os espíritos: gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió-AL: Ufal, 2009, 118.

(2) http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=190, acessado em 08/08/2010.
(3) KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano décimo – 1869. 2. e.d. Federação Espírita Brasileira, 2005, p. 227-228.
(4) KARDEC, Allan . Obras Póstumas. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005, p. 453.

Publicado em Diálogo Espírita n. 86.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

sábado, 18 de setembro de 2010

Psicoterapia Espírita - Aureci F. Martins


Em mais de quarenta anos de atividades espíritas, presenciamos inumeráveis casos de pessoas portadoras de distúrbios psíquicos e/ou comportamentais, que reencontraram a serenidade e a alegria de viver nos Centros orientados pela doutrina codificada por Allan Kardec.

A psicoterapia ideal, assim entendemos, é aquela praticada por técnicos que, além da formação acadêmica, conhecem e reconhecem as realidades espirituais, tal como aconteceu recentemente com o psiquiatra PhD Dr. Raymond Moody Jr – o festejado neurofisiologista autor do best seller “Vida depois da vida” – que, diante dos fatos irrecusáveis das sessões de regressão de memória a que se submeteu e outras tantas a que assistiu, acaba de confessar-se adepto da tese reencarnacionista, fazendo coro com inúmeros outros destacados psicoterapeutas da atualidade.

Com relação à terapêutica espiritual oferecida pelas instituições orientadas pela codificação kardecista, cabe esclarecer que somente pode ser exercida por pessoas que pautam sua conduta pela ética doutrinária e que são detentoras da visão espiritocêntrica que a ciência espírita propicia a seus estudiosos. Assim sendo, trata-se de pessoas de boa vontade que possuem informações bastantes sobre a natureza transcendente da criatura humana: reencarnação, desencarnação, imortalidade da alma, vida fora da matéria, sintonia mental, leis morais etc. Diga-se de passagem que, sabidamente, muitos livros da doutrina espírita (Kardec e afins) são excelentes tratados do que hoje se conhece como “psicologia transpessoal”.

Defendemos, pois, a validade da psicoterapia espírita, que inclui a orientação doutrinária apoiada nos ensinos morais de Jesus e as técnicas desobsessivas(1) e fluidoterápicas(2), nas quais contamos com o auxílio dos socorristas espirituais. Não ignoramos, todavia, que o êxito do atendimento espiritual depende do merecimento e do esforço a ser empreendido pelo enfermo para elevar seu padrão vibracional e, desse modo, livrar-se dos maus pensamentos e baixos sentimentos que o tornam vulnerável ao assédio dos espíritos inferiores via sintonia mental.

Há casos em que bastam a prece, a freqüência às reuniões doutrinárias e a leitura de livros edificantes para que a autocura incentivada se efetive. Casos mais graves, entretanto, requerem a conjugação das técnicas desobsessiva e fluidoterápica. Existem ainda situações de expiação de graves deslizes, cometidos pelo indivíduo em seu passado espiritual recente ou de anteriores reencarnações, que podem demandar tempo alongado para obtenção da cura definitiva. Todavia, o esclarecimento espiritual propicia ao doente o consolo de saber-se um espírito imortal e que, com seu esforço de autotransformação moral e de ação no bem, poderá abreviar seus sofrimentos.



Cabe esclarecer ainda que, seja em atendimentos presenciais seja à distância, o tratamento espírita será gratuito e se restringirá aos aspectos espirituais dos distúrbios mento-afetivos e dos efeitos psicossomáticos deles derivados.



Com base em nossa experiência pessoal, podemos afirmar que a informação e o tratamento espíritas constituem eficientes coadjuvantes ao atendimento propiciado pelos profissionais das ciências médicas e/ou psicológicas, sabidamente indispensável nos casos que requerem medicação e/ou aplicação de técnicas psicoterápicas convencionais.

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(1) Desobsessão – Doutrinação dos espíritos obsessores.

(2) Fluidoterapia – Imposição de mãos (passes), água magnetizada, preces.
 

domingo, 12 de setembro de 2010

Trabalhemos pelo Espiritismo - Vinícius Lousada


"Ninguém acende uma candeia para pô-la debaixo do alqueire; põe-na, ao contrário, sobre o candeeiro, a fim de que ilumine a todos os que estão na casa."(1)

“É toda uma revolução que neste momento se opera e trabalha os espíritos. Após uma elaboração que durou mais de dezoito séculos, chega ela à sua plena realização e vai marcar uma nova era na vida da Humanidade. Fáceis são de prever as conseqüências: acarretará para as relações sociais inevitáveis modificações, às quais ninguém terá força para se opor, porque elas estão nos desígnios de Deus e derivam da lei do progresso, que é lei de Deus.” (2)



Reconhecemos no Espiritismo o Consolador Prometido por Jesus em sua mais alta expressão.

Trata-se de mensagem lúcida e racional que consola-nos em nossas dores e promove a resignação ativa pelo esclarecimento superior que fornece ao Espírito ávido por edificar, em si, uma vida interior rica de valores imperecíveis.

O Espiritismo – lido, estudado, pensado e vivido – dá-nos motivação para um trânsito feliz na Terra e arrebata à alma para vôos mais altos em seus propósitos existênciais e experiências educativas.

Enfim, é uma doutrina filosófica calcada nos ensinamentos dos Espíritos Luzeiros que tratam de saberes – alguns já ensinados na antiguidade e outros pouco a pouco desvelados pela Ciência do mundo, que passa a se espiritualizar pela coragem homens e mulheres de grande valor, cujas lides se voltam ao fenômeno espiritual como algo digno do quefazer científico – cujos desdobramentos filosóficos não dogmáticos trazem contribuições inolvidáveis para a felicidade nas vivências humanas.

São inúmeros os ganhos morais que a compreensão dos fatos e dos princípios espíritas traz e quem se dedica a filosofar sobre isso não pode se furtar a percebê-lo. Entretanto, num mundo matizado por tanto materialismo e suas conseqüências funestas e com uma carência absurda de espiritualidade, é o caso de nos perguntarmos se não cabe a cada espírita assumir um compromisso de difusão das idéias espíritas, sem doentio proselitismo e nem timidez no bem.

Ler o livro espírita, sobretudo, as obras fundamentais, e partilhar suas leituras com familiares já é um bom começo nessa empreitada. Podemos, inclusive, esquecer um livro aqui ou outro ali...

Escrever uma página reflexiva e otimista sobre uma temática de nossa afinidade é um passo interessante e pode contribuir para esclarecer alguém no mundo. A internet é uma grande aliada, mas podemos também publicar textos breves em jornais locais. Pensando no valor da rede criei meu blog.

Claro, não esqueçamos os periódicos espíritas, mas, igualmente, não façamos Espiritismo somente para espíritas – afinal ele veio trazer uma nova era para a humanidade e não somente para os que convivem no centro espírita.

Programas radiofônicos, de boa qualidade técnica e doutrinária, são sempre bem-vindos. Dão trabalho planejá-los, mas a repercussão junto ao povo é profundamente compensadora.

Programas na TV a cabo ou aberta: nada que o planejamento e assessorias especializadas no movimento espírita e fora dela não supra nossos próprios limites. O movimento espírita é profícuo nesse sentido, observemos o belo caso da TVCEI.

Descubramos bairros ou localidades onde não haja centro espírita, e, com desinteresse pessoal e desejo de promover a obra de educação do Espiritismo, convidemos alguns amigos, falemos da mensagem lúcida do Evangelho e da Doutrina. Abramos sempre a palavra ao público, pois, o bom debate pode dirimir algumas dúvidas cruciais à abertura dos corações à fé raciocinada postulada no Espiritismo.

Feitos alguns encontros com palestras ou diálogos, passemos a propor a formação de pequenos grupos de estudo que, no futuro, poderão se instituir como casas espíritas formalizadas. Em todo o processo, o seareiro de boa-vontade é apenas um facilitador, não seduzido pelo poder aparente de conduzir vidas, atavismo do passado religioso.

Em todas estas tarefas, a fidelidade a Jesus e Kardec é condição sem a qual não há correta difusão do Espiritismo.

Preparemos impressos, páginas esparsas ou livros, cultivemos os clubes do livro espírita, as feiras e, aliás, até mesmo uma banca em local público do nosso município a fim de que, o Espiritismo se enfronhe no cotidiano do povo.

A Espiritualidade Superior já está fazendo a sua parte inspirando profissionais no cinema, teatro, literatura, na redação de novelas, em diferentes ramos do conhecimento científico e etc. Resta saber se faremos a nossa parte no combate à ignorância espiritual, disponibilizando aos nossos irmãos de jornada o pensamento espírita – sem espírito de messianismo doentio.

De qualquer modo, a vivência é o mais eficaz recado que se pode dar e valoriza com justiça qualquer outra estratégia escolhida para o labor de promoção da idéia espírita. Verifiquemos, assim, que sempre há algo que possamos fazer.

Não nos detenhamos, pois, o Espiritismo é para todos.


__________

(1) Mateus 5:15.
 
(2) O evangelho segundo o espiritismo, Cap I, item 1.
 

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Retrato de Kardec aos 25 anos - um equívoco? - Sônia Zaghetto



Uma das mais famosas imagens de Allan Kardec pode não retratar o Codificador do Espiritismo. O desenho que mostraria Kardec aos 25 anos de idade provavelmente é um auto-retrato do pintor francês Raymond Auguste Quinsac Monvoisin (1790 - 1870).

Membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, Monvoisin é o autor de um retrato do Codificador do Espiritismo. Foi uma doação de oito quadros desse pintor renomado que estimulou em Kardec o desejo de fazer um Museu Espírita. A idéia foi apresentada pelo Codificador na Revista Espírita de dezembro de 1868. O texto sobre a “Constituição Transitória do Espiritismo” apresentava os planos de Kardec para o futuro do Espiritismo. Ele incluiu, entre as diversas ações a cargo do Comitê Central, a criação de um museu que reunisse “as primeiras obras de arte espírita, os trabalhos mediúnicos mais notáveis, os retratos dos adeptos que bem tiverem merecido da Causa por seu devotamento, os dos homens que o Espiritismo honra, posto que estranhos à Doutrina, como benfeitores da humanidade, grandes gênios missionários do progresso”.

Precisamente nesse item, Kardec acrescentou uma nota em que afirma que “o futuro museu já possui oito quadros de grandes dimensões, que só esperam um local conveniente, verdadeiras obras-primas de arte, especialmente executadas em vista do Espiritismo, por um artista de renome, que generosamente os ofereceu à Doutrina. É a inauguração da arte espírita, por um homem que reuniu a fé sincera ao talento dos grandes mestres”. A nota encerra com uma promessa: “Em tempo hábil daremos sua descrição detalhada”. Não foi possível, pois três meses depois Kardec desencarnou e o nome do pintor e das obras ficou oculto.

O assunto voltou às páginas da Revista em julho de 1869, no texto “Museu do Espiritismo”, no qual se lê um resumo sobre os planos de Allan Kardec sobre o museu e uma lista dos quadros mencionados pelo Codificador: Retrato alegórico do Sr. Allan Kardec; Retrato do autor (Monvoisin); três cenas espíritas da vida de Jeanne d'Arc (Jeanne na fonte, Jeanne ferida e Jeanne sobre a fogueira); o Auto-de-fé de João Huss; um quadro simbólico das Três Revelações, e a Aparição de Jesus entre os apóstolos, depois da morte corporal.

Diz o texto da Revista, que foi extraído da Ata da sessão da Sociedade ocorrida em 7 de maio de 1869: “Quando o Sr. Allan Kardec publicou esse artigo na Revista, ele tinha a intenção de dar a conhecer o nome do autor, a fim de que todos pudessem render homenagem ao seu talento e à firmeza de suas convicções. Se disso nada fez, é que aquele, que a maioria dentre vós conhece, por um sentimento de modéstia que compreendeis facilmente, desejava guardar o incógnito e não ser conhecido senão depois de sua morte. Hoje as circunstâncias mudaram, o Sr. Allan Kardec não está mais entre nós, e, se devemos nos esforçar por executar os seus desejos tanto quanto o possamos, devemos também, todas as vezes de que disso tivermos a possibilidade, pôr nossa responsabilidade a coberto e evitar as eventualidades que os acontecimentos imprevistos ou as manobras malevolentes possam fazer surgir. É com esta intenção, senhores, que a senhora Allan Kardec me encarrega de vos saber fazer que seis dos quadros designados acima, foram remetidos às mãos de seu marido, que se acham atualmente entre os seus, e que ela os conservará em depósito até que um local apropriado, comprado com os fundos provenientes da caixa geral, e gerido por conseqüência sob a direção da comissão central encarregada dos interesses gerais da Doutrina, permita dispô-los de maneira conveniente”.

O texto prossegue informando que, doravante, todo espírita poderia examinar e apreciar os quadros na residência particular da senhora Allan Kardec, às quartas-feiras, de duas horas às quatro horas. A Revista informou que dois quadros ainda estavam com o autor, que é finalmente identificado: “É, com efeito, o Sr. Monvoisin que, haurindo uma nova energia na firmeza de suas convicções, quis, apesar de sua idade avançada, concorrer ao desenvolvimento da Doutrina, abrindo uma era nova para a pintura, e se pondo à frente daqueles que, no futuro, ilustrarão a arte espírita. Nós não diremos mais a esse respeito; o Sr. Monvoisin é conhecido e apreciado por todos, tanto quanto artista de talento como espírita devotado, e ele tomará lugar ao lado do mestre, nas fileiras daqueles que terão muito merecido do Espiritismo”.

Como se observa, entre as obras listadas há um retrato de Kardec e um auto-retrato de Monvoisin. Em 1954 – quando todos os que conviveram com Kardec e Monvoisin já haviam desencarnado e os arquivos da Sociedade haviam sofrido os efeitos dos transtornos de duas Guerras Mundiais – a Revue Spirite publicou, pela primeira vez, o suposto retrato de Allan Kardec aos 25 anos. Repetiu o retrato na edição de 1962. A partir de então, pesquisadores e biógrafos brasileiros passaram a utilizar a imagem como sendo o Codificador na juventude.

Entretanto, uma comparação entre os auto-retratos de Monvoisin atualmente disponíveis em diversos museus e coleções particulares mostram uma espantosa semelhança com a suposta imagem de Kardec aos 25 anos. Os mais impressionantes são retratos obtidos junto ao Museo de Bellas Artes do Chile (que constam do site www.artistasplasticoschilenos.cl) e o que está disponível no endereço www.naon.com/ dic03/htms/dic03_051esp.htm – este é uma pintura a óleo vendida em dezembro de 2003 por 53 mil dólares, pela empresa argentina J.C Naón e Cia S.A, especializada em leilões de objetos de arte. O quadro, que constava do lote 4, foi adquirido por um colecionador. A Naón garante a autenticidade: é um auto-retrato de Monvoisin. Apesar de um pouco mais velho, são perceptíveis as semelhanças com a suposta imagem de Kardec aos 25 anos: a farta cabeleira, o nariz alongado, a barba rala e o formato dos lábios, do rosto, dos olhos e das sobrancelhas.

No Portal de Arte (www.portaldearte.cl/autores/monvoisin1.ht), patrocinado pelo Ministério da Educação, pela UNESCO, pelo Museo Nacional de Bellas Artes do Chile também há um auto-retrato de Monvoisin, em absolutamente tudo assemelhado ao que se acredita ser Kardec. Lançada a questão, que cada um analise, compare e tire as conclusões que achar convenientes.


Quem é Raymond Monvoisin

Raymond Auguste Quinsac Monvoisin nasceu em 31 de maio de 1790, em Bordeaux, França. Pintor de gênero, paisagem, história e retrato, foi um dos mais destacados discípulos do Barão Guérin, na Escola de Belas Artes de Paris.

Premiado diversas vezes, aos 27 anos tornou-se pensionário do rei da França, em Roma. Ao voltar à França, distinguiu-se nos Salons e por duas vezes foi premiado com o primeiro lugar. Dessa época, que se estendeu até 1842, datam suas séries de retratos dos reis da França e dos marechais da Renascença, encomendados pelo Governo para as galerias históricas do Palácio de Versailles.

Em 1836, Monvoisin – que tinha um forte temperamento – desentendeu-se com o diretor dos museus reais franceses, Sr. de Cailleux. Abalado pelo episódio e por outros problemas particulares, deixou a França em maio de 1842.

Veio para a América do Sul. Monvoisin e Rugendas foram os dois mais importantes artistas a visitar o Continente Americano, nessa época. Depois de uma rápida passagem por Buenos Aires, chegou ao Chile em janeiro de 1843, portando pouco mais de dez painéis que foram exibidos em março daquele ano na Universidade de São Filipe. Essa mostra, que tornou-se um marco na História da Arte no Chile, atraiu a atenção de diversas personali-dades e causou admiração pela perícia e beleza das obras. Monvoisin recebeu pelo menos uma centena de encomendas de retratos: pintou praticamente toda a aristocracia chilena da época. O Governo prometeu-lhe a direção da futura Academia de desenho e pintura do Chile, mas acabou por escolher o italiano Alexandre Cicarelli.

Depois de algum tempo, Monvoisin visitou o Peru e o Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1847. Em carta ao irmão, reclamou do calor e informou que pintaria um retrato de D. Pedro II, que o recebeu calorosamente. A pintura – que mostra D. Pedro de pé, em traje imperial – é considerado o mais fiel retrato do Imperador brasileiro. Em reconhecimento, D. Pedro concedeu ao artista a insígnia de Cavaleiro da Ordem do Cruzeiro e uma pêndula de bronze. O quadro – que pode ser visto no Museu Imperial de Petrópolis – pertence ao príncipe D. João de Orléans e Bragança, bisneto de D. Pedro II. O Imperador tinha, em sua pinacoteca no Paço S. Cristóvão, outro quadro de Monvoisin: Jovem Peruano (ou Jovem Araucano).

Monvoisin voltou à França em 1858, quando o Espiritismo estava no auge. Tornou-se espírita e adepto da Homeopatia. A primeira referência a ele está na Revista Espírita de maio de 1866. A seção “Conversas de Além-Túmulo” traz a transcrição de uma evocação do espírito do Abade Laverdet, um dos pastores da Igreja francesa, ocorrida no dia 5 de janeiro de 1866. Ali, Kardec informa que “um dos mais íntimos amigos do abade, o Sr. Monvoisin, o eminente pintor de história, espírita fervoroso, tendo desejado ter dele algumas palavras de além-túmulo, nos pediu para evocá-lo”.

O pintor faleceu em Boulogne-sur-Seine (Paris), em 26 de março de 1870. Na edição de maio daquele ano, a Revista Espírita noticiou a desencarnação com ampla reportagem, em que são contadas sua vida e sua dedicação ao Espiritismo. No texto são citadas frases. Entre elas: “Eu serei o precursor e o pai da pintura espírita”. Ao desencarnar, trabalhava em uma série de retratos dos precursores do Espiritismo.


Fonte: Mundo Espírita, agosto de 2007.

sábado, 4 de setembro de 2010

NOS EMBATES POLÍTICOS - André Luiz


Situar em posição clara e definida as aspirações sociais e os ideais espíritas cristãos, sem confundir os interesses de César com os deveres para com o Senhor.

Só o Espírito possui eternidade.

Distanciar-se do partidarismo extremado.

Paixão em campo, sombra em torno.

Em nenhuma oportunidade, transformar a tribuna espírita em palanque de propaganda política, nem mesmo com sutilezas comovedoras em nome da caridade.

O despistamento favorece a dominação do mal.

Cumprir os deveres de cidadão e eleitor, escolhendo os candidatos aos postos eletivos, segundo os ditames da própria consciência, sem, contudo, enlear-se nas malhas do fanatismo de grei.

O discernimento é caminho para o acerto.

Repelir acordos políticos que, com o empenho da consciência individual, pretextem defender os princípios doutrinários ou aliciar prestígio social para a Doutrina, em troca de votos ou solidariedade a partidos e candidatos.

O Espiritismo não pactua com interesses puramente terrenos.

Não comerciar com o voto dos companheiros de Ideal, sobre quem a sua palavra ou cooperação possam exercer alguma influência.

A fé nunca será produto para o mercado humano.

Por nenhum pretexto, condenar aqueles que se acham investidos com responsabilidades administrativas de interesse público, mas sim orar em favor deles, a fim de que se desincumbam satisfatoriamente dos compromissos assumidos.

Para que o bem se faça, é preciso que o auxílio da prece se contraponha ao látego da crítica.

Impedir palestras e discussões de ordem política nas sedes das instituições doutrinárias, não olvidando que o serviço de evangelização é tarefa essencial.

A rigor, não há representantes oficiais do Espiritismo em setor algum da política humana.

“Nenhum servo pode servir a dois senhores.” — Jesus. (LUCAS, 16:13.)
 
- Extraído do livro Conduta Espírita - Psicografado por Chico Xavier e Waldo Vieira

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O amor cobre a multidão de pecados


(I-Pedro, 4:8)

Por Jorge Saes (*)

O que responderiam hoje, os espíritas, se perguntados pelas razões que levaram Mônica a orar, por anos, pela conversão de seu filho amado, Agostinho? Certamente que se esta pergunta fosse proferida em uma oficina de trabalho realizada dentro do Movimento Espírita, uma mão mais afoita se levantaria para, depressa, responder: “O AMOR”.

Sim! Sem dúvidas, concordaríamos: o amor. Trazemos as respostas na ponta da língua, estagiários do aprendizado teórico na atual escala da evolução coercitiva. Quando, porém, chamados ao pleno exercício do conhecimento na escola da vida, na exigência constante na interação social, nos grupos ou casas que fomos levados pela ação da própria lei, a resposta, que ontem foi imediata, hoje poderá mostrar-se lenta, e às vezes tarda em sua execução.

E isso poderá ocorrer por possível erro de interpretação das lições e dos princípios básicos da Doutrina dos Espíritos. O Espírito Eros, por Divaldo Pereira Franco, no opúsculo: “Em algum lugar no futuro”, disserta sobre a vida de um homem que se considerava “Mestre” – um enviado - verdadeiro missionário das esferas superiores – pronto para iluminar os pensamentos do plano terrestre.

Em um dos capítulos, sobre o “Conhecimento Sem Amor”, relata a seguinte estória: “O mestre, recolhido em meditação, assemelhava-se a uma flor de lótus em pleno desabrochar. Ensinando, o canto da sua voz evocava o ciclo da brisa nas folhagens umedecidas pelo sereno da noite. Os discípulos, à sua volta, enterneciam-se, aprendendo a conquistar o caminho da elevação”. Segue o Espírito Eros, apresentando o dedicado homem que, não desprezando oportunidade alguma para ensinar, propôs uma caminhada pelos arredores da cidade para demonstrar aos aprendizes, ao vivo, “A Lei de Justiça” trabalhando vidas rebeldes.

No caminho, depararam-se com várias realidades. Encontrando um irmão desprovido da luz em seus olhos, ensinou: “Aquele cego recupera, na sombra, o mau uso da visão em outra vida”. Adiante, “este paralítico educa as pernas que o levaram ao crime noutra existência. Este imbecil recompõe a mente que explorou e vilipendiou em jornada pretérita. Os esfaimados, que se entredevoram, nos montes de lixo, ali, buscando detritos para se alimentarem, disciplinam os estômagos viciados pelos excessos”...enfim.

Ante o quadro comovedor, um jovem discípulo, sensibilizado pelo amor que lhe brotava na alma sonhadora, interrogou: - “Não poderíamos fazer algo em favor desses infelizes que, afinal, são nossos irmãos?” A resposta, por lógica, a teríamos prontamente, à luz do evangelho de Jesus. Mas não foi a que pensamos. Foi outra, como veremos: - “De forma alguma – bradou o homem que sabia. – Eles resgatam e devem sofrer o mal que fizeram. Ajudá-los, seria prejudicar o cumprimento das leis...Deixemo-los e cuidemos de evoluir, em nossa meditação e abandono do mundo...”

Diz-nos o Espírito Eros: “O séquito prosseguiu, e o tempo venceu o ciclo das horas. O mestre morreu, e um dia, não obstante houvesse conhecido a técnica da reencarnação, volveu ao proscênio terrestre, sob dificuldades morais e mentais muito severas, como decorrente do egoísmo que minava as fibras da alma e da indiferença pela dor do próximo, que lhe enregelava o sentimento”.

É constante no meio espírita sentirmos por vibrações, entre palavras, pensamentos neste mesmo sentido: “Que se cumpra a lei – seu estado atual é este! É por sua própria culpa! Deixemo-lo à própria sorte! O sofrimento faz parte de seu aprendizado! Terá que beber no cálice da vida o sabor do suco amargo de atos de seu passado menos feliz” – é o libelo - é a sentença. Com Mateus, Cap. 9:13, porém, não foram estas as palavras de Jesus, mas outras: “Ide, porém, e aprendei o que significa: misericórdia quero e não sacrifício...”

(*) Bageense radicado em Torres-RS.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A IMPRENSA




(Comunicação espontânea – Sociedade Espírita de Paris, 19 de fevereiro de 1864 – Médium: Sr. Leymarie)

A imprensa foi inventada no século quinze. Como tantas outras invenções, conhecidas ou  desconhecidas, foi preciso tomar a taça e beber o fel. Não venho a vós, espíritas, para contar meus dissabores e sofrimentos; porque naqueles tempos de ignorância e de tristeza, em que vossos pais tinham sobre o peito o pesadelo chamado feudalismo e uma teocracia cega e ciosa de seu poder, todo homem de progresso tinha cabeça demais. Quero apenas dizer-vos algumas palavras a respeito de minha invenção, de seus resultados e de sua afinidade espiritual convosco, com os elementos que fazem vossa força expansiva.

A revolução-mãe, que trazia em seus flancos o modo de expressão da Humanidade, despojando o pensamento humano do passado, de sua pele simbólica, é invenção da imprensa. Sob essa forma o pensamento mistura-se no ar, espiritualiza-se, será indestrutível. Senhora dos séculos futuros, alça seu vôo inteligente para ligar todos os pontos do espaço e, desde esse dia, domina a velha maneira de falar. Os povos primitivos necessitavam de monumentos representando um povo, montanhas de pedra dizendo aos que sabem ver: Eis minha religião, minha fé, minhas esperanças, minha poesia.

Com efeito, a imprensa substitui o hieróglifo; sua linguagem é acessível a todos, seus apetrechos são leves; é que um livro não pede senão um pouco de papel, um pouco de tinta, algumas mãos, ao passo que uma catedral exige várias vidas de um povo e toneladas de ouro.

Permiti, aqui, uma digressão. O alfabeto dos primeiros povos foi composto de pedaços de rocha, que o ferro não havia tocado. As pedras erguidas pelos Celtas também se encontram na Sibéria e na América. Eram lembranças humanas confusas, escritas em monumentos duráveis. O galgal hebreu, os crombels, os dólmens, os túmulos, mais tarde exprimiram palavras.

Depois vieram a tradição e o símbolo. Não mais bastando esses primeiros monumentos, criaram o edifício e a arquitetura tornou-se monstruosa; fixou-se como um gigante, repetindo às gerações novas os símbolos do passado. Tais foram os pagodes, as pirâmides, o templo de Salomão.

É o edifício que encerrava o verbo, essa idéia-mãe das nações. Sua forma e sua situação representavam todo um pensamento, e é por isso que todos os símbolos têm suas grandes e magníficas páginas de pedra.

A maçonaria é a idéia escrita, inteligente, pertencente a todos os homens unidos por um símbolo, tomando Iram por patrono e constituindo essa franco-maçonaria tão conspurcada, que trouxe em si o germe da liberdade. Ela soube semear seus monumentos e os símbolos do passado no mundo inteiro, substituindo a teocracia das primeiras civilizações pela democracia, esta lei da liberdade.

Depois dos monumentos teocráticos da Índia e do Egito, vêm suas irmãs, as arquiteturas grega e romana; depois o estilo romano tão sombrio, representando o absoluto, a unidade, o sacerdote; as cruzadas nos trouxeram a ogiva e o senhor quer partilhar, esperando o povo que saberá tomar o seu lugar; o feudalismo vê nascer a comuna e a face da Europa muda, porque a ogiva destrona o românico; o pedreiro torna-se artista e poetisa a matéria; dá-se o privilégio da liberdade na arquitetura, porque então o pensamento só tinha esse modo de expressão. Quantas sedições escritas na fachada dos monumentos! É por isto que os poetas, os pensadores, os deserdados, tudo quanto era inteligente, cobriu a Europa de catedrais.

Como vedes, até o pobre Guttemberg, a arquitetura é a escrita universal. Por sua vez, a imprensa derruba o gótico; a teocracia é o horror do progresso, a conservação mumificada dos tipos primitivos; a ogiva é a transição da noite ao crepúsculo, em que cada um pode ler a pedra facilmente; mas a imprensa é o pleno dia, derrubando o manuscrito, exigindo um espaço mais vasto, que doravante nada poderá restringir.

Como o Sol, a imprensa fecundará o mundo com seus raios benfazejos; a arquitetura não representará mais a sociedade; será clássica e renascentista, e esse mundo de artistas, divorciados do passado, abre rudes brechas nas teogonias humanas, para seguir a rota traçada por Deus; deixa de ser simples artesão dos monumentos da renascença, para se tornar escultor, pintor, músico; a força da harmonia se consome em livros e, já no século dezesseis, é tão robusta, tão forte essa imprensa de Nuremberg, que é o advento de um século literário; é, ao mesmo tempo, Lutero, Jean Goujon, Rousseau, Voltaire; trava na velha Europa esse combate lento, mas seguro, que sabe reconstruir depois de haver destruído.

E agora que o pensamento está emancipado, qual o poder que poderia escrever o livro arquitetural de nossa época?

Todos os bilhões de nosso planeta não bastariam e ninguém poderia reerguer o que está no passado e lhe pertence exclusivamente.

Sem desdenhar o grande livro da arquitetura, que é o passado e o seu ensino, agradeçamos a Deus que sabe, nas épocas propícias, pôr em nosso poder uma arma tão forte, que se torna o pão do Espírito, a emancipação do corpo, o livre-arbítrio do homem, a idéia comum a todos, a ciência, um á-bê-cê que fecunda a terra, tornando-nos melhores. Mas se a imprensa vos emancipou, a eletricidade vos fará verdadeiramente livres; é ela que destronará a imprensa de Guttemberg, para pôr em vossas mãos um poder muito mais temível, e isto em breve.

A ciência espírita, esta salvaguarda da Humanidade, vos ajudará a compreender a nova força de que vos falo. Guttemberg, a quem Deus deu uma missão providencial, sem dúvida fará parte da segunda, isto é, da que vos guiará no estudo dos fluidos.

Logo estareis prontos, caros amigos; não basta, porém, que sejais apenas espíritas fervorosos: também é preciso estudar, a fim de que tudo quanto vos foi ensinado sobre a eletricidade e os fluidos em geral seja para vós uma gramática sabida de cor. Nada é estranho à ciência dos Espíritos; quanto mais sólida a vossa bagagem intelectual, tanto menos vos surpreendereis com as novas descobertas. Devendo ser os iniciadores de novas formas de pensamento, deveis ser fortes e seguros de vossas faculdades espirituais.

Eu tinha, pois, razão de vos falar da minha missão, irmã da vossa. Sois os eleitos entre os homens. Os Espíritos bons vos dão um livro que dá a volta à Terra, mas, sem a imprensa, nada seríeis. Para vós, a obsessão que encobre a verdade aos homens desaparecerá; mas, repito, preparai-vos e estudai para serdes dignos do novo benefício e para saberdes mais inteligentemente que os outros, a fim de o espalhar e tornar aceito.

Guttemberg

Observação – Pela difusão das idéias, que tornou imperecíveis e que espalha aos quatro cantos do mundo, a imprensa produz uma revolução intelectual que ninguém pode ignorar.

Porque esse resultado era entrevisto, ela foi, de início, qualificada por alguns de invenção diabólica; é uma relação a mais que ela tem com o Espiritismo, e da qual Guttemberg deixou de falar. De fato pareceria, a dar ouvidos a certa gente, que o diabo detém o monopólio das grandes idéias: todas as que tendem a fazer a Humanidade dar um passo lhe são atribuídas. Sabe-se que o próprio Jesus foi acusado de agir por intermédio do demônio que, na verdade, deve orgulhar-se de todas as boas e belas coisas que retiram de Deus para lhas atribuir. Não foi ele quem inspirou Galileu e todas as descobertas científicas que fizeram a Humanidade progredir? Conforme isto, seria preciso que ele fosse muito modesto para não se julgar o dono do Universo.

Mas o que pode parecer estranho é a sua falta de habilidade, pois não há um só progresso da Ciência que não tenha por efeito arruinar o seu império. É um ponto sobre o qual não pensaram bastante.

Se tal foi o poder desse meio de propagação inteiramente material, quão maior não será o do ensino dos Espíritos, comunicando-se em toda parte, penetrando onde o acesso aos livros está proibido, fazendo-se ouvir até pelos que não querem escutar! Que poder humano poderia resistir a tal força?

Esta notável dissertação provocou, no seio da Sociedade, as reflexões seguintes, da parte de um outro Espírito.

REVISTA ESPÍRITA, ABRIL DE 1864