quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A Espiritualidade de Jesus



Vinícius Lousada[1]

           
 Há mais de dois mil anos um jovem partiu da bucólica Nazaré para apresentar uma filosofia diferente para um povo cansado da ortodoxia religiosa, da dominação política e do engodo dos falsos profetas que pululavam em toda parte.  Esse Nazareno propunha uma doutrina fundamentada em ensinamentos que ministrava em público, embora não se furtasse de dar lições na vida privada, junto ao Lago da Galiléia, na via pública, em festas, com os pobres e, algumas vezes, nos templos destinados à tradição religiosa de seu povo.
            Dos Evangelhos é possível extrair a essência de sua Doutrina cujo eixo fundamental consiste numa tríade do amor: o amor a Deus, o amor ao próximo e o amor a si mesmo[2]. Nesse sentido é oportuno recordar dois estudos feitos pelos Espíritos junto a Kardec e presentes em O Evangelho segundo o Espiritismo, livro em que se ocupa exclusivamente do ensino moral de Jesus, definido pelo próprio mestre lionês como código divino[3], o que significa que Allan Kardec via o Evangelho como uma coleção de preceitos ou normas éticas que traduziam de algum modo as Leis de Deus. O Mestre Jesus procurou revelar-nos essas Leis que regem a vida do Espírito imortal apesar de nossa pouca perspicácia para compreendê-lo à época.
            Os estudos acima referidos[4] são dos Espíritos Fénelon, teólogo francês desencarnado, e de Sanson, ex-membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.  No primeiro, Fénelon enfatiza a essência divina do amor e sua presença como centelha na intimidade de todos nós perceptível nas mais variadas formas de manifestação de amor que somos capazes de dar, apesar de nossas imperfeições morais. Nessa perspectiva o benfeitor espiritual considera que os efeitos sociológicos da vivência do amor seriam a renovação humana e a felicidade na vida terrestre. Já, Sanson conceitua o amor, dando-nos material suficiente para aprendermos que esse sentimento deve extrapolar as considerações metafísicas a seu respeito e não se tornar mero adorno no âmbito das subjetividades. Afirma Sanson: 
Amar, no sentido profundo do termo, é o homem ser leal, probo, consciencioso, para fazer aos outros o que queira que estes lhe façam; é procurar em torno de si o sentido íntimo de todas as dores que acabrunham seus irmãos, para suavizá-las; é considerar como sua a grande família humana (...)
Vejamos que esse conceito espírita do amor destaca valores como a lealdade, a probidade, a consciência da responsabilidade para com a felicidade dos outros e está pautado na regra áurea ensinada por Jesus. De fato, Sanson também apresenta a práxis do amor no exercício da compaixão que implica em um entendimento da dor alheia para que o indivíduo possa aliviá-la. Além disso, o benfeitor aponta a ideia do amor universal ao propor que vejamos como nossa a grande família humana, notadamente exortando-nos à fraternidade universal – saber necessário à superação de preconceitos e sectarismos de qualquer monta. De que atualidade e amplitude de aplicação não são esses valores?!
São valores humanistas cuja fonte espiritual está, sem dúvida, embasada na espiritualidade daquele jovem de Nazaré que marcou a história ensinando e exemplificando a sua tríade do amor. Ademais, ele deixou como critério de verdade do amor a Deus o amor ao próximo quando teria dito: "Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?”[5] Religiosidade que não se materializa na vivência do amor ao próximo consiste em jogo de aparências, a piedade fica teatralizada e a caridade acaba por ser mero marketing pessoal.
A espiritualidade de Jesus, tão esquecida no Natal comercial e materialista vigente em nossa cultura, pode ser sintetizada na práxis do amor que deve se constituir em vivência de cada um dos valores já destacados. Meditemos em torno deles e façamos uma útil reflexão pós-Natal. Esse presente a gente merece!



[1] Trecho do texto de minha autoria intitulado “Reflexão pós-natal”, acessível em: http://saberesdoespirito.blogspot.com.br/2012/12/reflexao-pos-natal.html
[2] Marcos 12: 30, 31.
[3] O Evangelho segundo o Espiritismo, Introdução, Objetivo desta obra.
[4] O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo XI, itens 9 e 10.
[5] I Jo 4:20.